SEXTA FEIRA DA SAUDADE .

Hoje é uma data importante no calendário religioso. Para mim também. É um misto de tristeza , calma e ao mesmo tempo de pertubações feitas por lembranças. Desde criança ouço contar que nesse dia , principamente às três horas da tarde, sequer ouve-se o gorjeio dos pássaros. A natureza se rende ao momento e nem o vento balança as folhas das árvores. Realmente a sexta feira da paixão é um dia morto. Como explicar? - Não há como !
É uma sensação de silêncio que incomoda a alma , nos faz sentir o arrepio do vento que não existe . Uma calma de agonia , um tempo que se arrasta, em pensamentos do passado. Somos contaminados por algo inexplicável que, de alguma forma, faz até o mais cético dos homens se sentir intrigado, com algo que não sabe e que não vê mas, aleatoriamente, sente . As imagens que me vêm são muitas. Ruas sendo enfeitadas com serragem, galhos e flores coloridas . Tudo feito em um silêncio respeitoso , enquanto é traçado o desenho do rosto de Cristo no chão da rua em frente à casa antiga. A noite chegando de mansinho . As pessoas com suas melhores roupas, para acompanharem a procissão do senhor morto. Minha percepção é tão real, que escuto o som da matraca e me vem uma vontade incontrolável de chorar. É um pranto de saudade . Vislumbro as filas intermináveis de um lado e de outro de uma procissão. Vejo nas sombras formadas pela luz das velas , pessoas que não mais estão aqui . A banda toca a marcha funebre e invade o silêncio do meu coração. O canto de Verônica é o som da minha dor . A procissão da minha vida segue . Amanhã só restarão no chão da rua imagens apagadas e restos de flores pisoteadas pelos caminhantes. Quero acalentar meu pranto . Fazer das imagens apagadas e das flores uma coroa de esperança . Esperança de um novo tempo para, me permitir sempre, suportar a dor dessas lembranças.