domingo, 29 de junho de 2008

CRÔNICA DO DOCUMENTÁRIO SOBRE A LAGOINHA PARA O TRABALHO DE PANORAMA DAS ARTES E DO MUNDO.
O trabalho foi selecionado para compor a videoteca do Museu Abílio Barreto . BH


LAGOINHA

Essa crônica foi inspirada em meu pai, Geraldo Reis, o compositor Joel (marido de D. Mires) e nas lembranças das minhas aulas de acordeon com D Luiza .

Márcia Cesar

Um bairro central de Belo Horizonte descrito , em outros tempos por compositores anônimos, com versos que exaltavam um reduto de boêmios. Embalados pelo calor do álcool e por dedilhar de violões, várias vozes entoavam letras de um canto de lamento por amores impossíveis ou de exaltação às madrugadas sem fim.
A rua com nome de Visconde Mauá era sinônimo de “ mulheres da vida”. Casas e barracões onde se alojavam as amantes dos homens com dinheiro, ou das jovens que ficavam grávidas fora do casamento.
A sociedade repudiava os moradores do reduto, mas espiava, com curiosidade mórbida, a luz vermelha refletida nos tetos daquelas construções.
Os bares não tinham hora de fechar. Sentar em suas mesas, beber, fumar, compor , chorar, era o ritual dos boêmios.
Os homens de toda e qualquer família ali chegavam para realizar desejos e estancar o pranto da alma.
O burburinho e o movimento nas madrugadas das suas ruas eram envolvidos com a fumaça de cigarros inocentes.
Homens se vestiam de mulheres e transmudavam –se. Davam vazão ao seu apelo interior e eram compreendidos . Havia uma cumplicidade estabelecida sem preconceitos. A “ sociedade” em volta fingia que não via.
A Lagoinha seguia guardando seus segredos. Sua arquitetura neo clássica e eclética de dia abrigava um comércio intenso de ferros velhos, padarias de italianos e escolas de música para jovens de classe média de outros bairros. A noite era a guardiã da sua transformação.
O Ribeirão do Arrudas dividia a larga avenida e , às vezes revolto, já dava sinais da sua indignação com a poluição . Suas águas invadiam casa e lojas adjacentes em períodos de chuva mais intensa.
Calaram o ribeirão. Taparam seu clamor com cimento. Surgiu a Avenida com nome de imperador , mas sem nascente.
As luzes vermelhas das casas se apagaram. A boêmia perdeu a sua graça e virou “lazer noturno” encontrada em qualquer bar de qualquer região.
Calaram – se as vozes embaladas pelo álcool e pela paixão, que enalteciam as noites da lagoinha.
Os casarões e casas, com “estilo” ou “sem estilo”, foram demolidas . Tragadas por indenizações ou abandonadas levaram junto seu “povo”.
A cidade, ainda jovem, não conhece e nem reconhece seu passado. Desfaz –se de sua memória e expulsa de seus arredores a realidade que a hipocrisia não queria ver.
Restaram alguns prédios e algumas casas mais afastadas do reduto principal. Nas esquinas, uns bares abrigam um comércio de corpos , sem canto , sem encanto, sem paixão.
Onde está o velho bairro Lagoinha , senão em fotos em preto e branco expostas em museus e amarelecidas pelo tempo?
Podemos ainda encontrá-lo. Através do olhar e das histórias do velho dono do bar. O bar não mais existe. Mas as lágrimas de tristeza daquele velho, contando suas reminiscências, cria dentro da gente a certeza que só preservando o passado da nossa cidade seremos donos do nosso presente e nossas lágrimas no futuro serão apenas de saudades.

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Somos quem somos porque queremos.

É sério! A gente tem a chance de sonhar os sonhos que a gente quer. Daí a realizá-los é uma questão pessoal de luta, discernimento e vontade de vencer!

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BH, MG, Brazil
Sou na luta pela vida, alguém que não desconhece seus iguais. Sonha com a pureza de realizar algo que consiga sensibilizar o rude de coração e convencer o incrédulo que o amor existe se a gente deixar de amar só a nós mesmos.